quinta-feira, 17 de março de 2011

Musicalidade à flor da pele.


Estação de trem. Avistei de longe, sentei-me ao seu lado.
Ele parecia triste, tinha um olhar cansado. E as mãos estavam nervosas.
Ele tentava esquecer o que quer que fosse, lendo um jornal.
Estávamos esperando um trem. Não sei se era o mesmo, queria que fosse.
Sentei-me alí, sem expectativa de conversa. Mas ele ousou falar.
-''Você tem um cigarro?''
Eu séria. Mas por dentro gritando.
-''Sim. Você quer?''
Ele fez uma cara estranha.
-''Se perguntei...''
Nossa! Pensei.. Que cara grosso. Vou levantar agora mesmo, mas não consegui. Era como se algo não me deixasse levantar.
-''Ah.. é né? Tome.''
Ele pegou o cigarro como se fosse a ultima coisa que desejasse no mundo.
Fiquei pensando que ele teria que me pedir algo para acender o cigarro.
Ele não pediu, pegou um isqueiro do bolso e acendeu.
Nem ao menos me disse obrigado.
Então, me senti na necessidade de argumentar.
-''Obrigado nem tira pedaço.''
Ele parou de ler o jornal.
-''É, realmente. Me desculpe. Estou um pouco fora de mim. Obrigado, como é seu nome?''
Sorri. Me senti capaz.
-''Tudo bem.. Eu já havia notado sua agonia. Me chamo Maria Eduarda. E você?''
-''Bruno.''
Pensei em algo para falar, mas não me veio nada em mente.
Ele falou.
-''Esse cigarro é forte.''
Silêncio.
-''Acha? Eu gosto...''
-''Você não tem cara de fumante. Parece uma menina que não gosta de prejudicar a saúde. Parece também não gostar dos Misftis. Gosta?''
Eu estava querendo levantar. Juro. Reparei que ele usava uma camisa dos Misftis.
-''Quantas análises, proponho que esteja errado. Aceita? Está totalmente enganado com suas argumentações. Adoro os Misfits, e à propósito amo meu vício.''
Ele gargalhou, e soltou o jornal. Deu uma tragada, Seu olho esquerdo fechou, mas abriu rapidamente.
-''Nossa! Estou enganado? Me prove.''
Eu levantei. Agora eu precisei.
-''Nem te conheço.''
Ele levantou.
-''É, acho que estava certo nos meus argumentos.''
Eu fiz cara de raiva. Fiz mesmo e daí?
-''Essa sua camisa fez o Peter Steele ficar gay.''
Ele gargalhava, e me soava um tanto irônico.
-''Qualquer um que se preze de verdade, já viu no google o nome dos integrantes.''
Abri a boca, em tom de indignação.
Ele ria.
-''Então vá se foder. Não preciso provar pra ninguém que sou fã deles.''
Meu trem tinha chegado.
''E ainda bem que meu trem chegou, passe bem. Aliás, morra cedo.''
Ele só me acompanhou até o trem.
Eu estava quase batendo nele.
Quando menos espero, ele entrou junto comigo.
-''Não acredito''
Ele parou de rir.
-''Qual o número da sua cabine patricinha?''
Não sei por que respondi.
''109. Me diga por favor, que a sua não é a 120.''
-''A minha é a 120.''
Ele ria, muito por sinal.
Nem olhei, sentei na minha cadeira e peguei meu mp3.''
Ele sentou e me olhava.
-''Vai ouvir que música?''
-''E te interessa?''
Seca. Demais.
-''Uol! Não se irrite, seu blush ainda não saiu!''
Gargalhou com ênfase.
-''Só coloquei os fones no ouvido e fingi que ele não estava alí.''
Como pude achar que ele era um cara interessante? Sempre erro, incrível.
Até, que pra piorar ele sentou-se ao meu lado, e ainda pegou um dos meus fones.
-''Misftis?''
Nem respondi, minha feição dizia tudo.
-''Ah, legal. Mas você ainda é patricinha pra mim.''
Só ignorei.
-''Você é melhor quando fala sabia?''
Continuei ignorando.
-''Ah, tome no cu!''
Olhei pra ele, tirei o fone.
-''Tome no cu? Faça-me o favor meu querido. Quanto mais você fala, mais patético parece.''
Ele me deu um beijo. Ainda tentei empurra-lo, mas ele não deixou. Me deixei envolver pelo beijo.
-''Seu beijo é ao contrário do que me parece ser.''
-''Que? Não.. Não acredito. SAI DAQUI CARA!''
-''Seu beijo, tem gosto de horror punk, música dos Misftis.''
Parei naquele momento. Que filho da puta! Aquela era minha música favorita. Nem tive como sair dali.
-''Adoro essa música..''
Ele pegou o fone novamente.
-''Também. Queria muito poder sentir novamente.''
-''Hãn?''
-''Sentir.. A música em você entende?''
-''Se me beijar vai sentir a música? Ah conta outra.''
Ele fez cara de desânimo.
-''Já falei que seu beijo me lembra essa música. Ela toca enquanto beijo você. Toca em minha mente.''
Eu baixei a cabeça.. Não pude evitar. Coloquei a música no mp3 e olhei para ele.
-''Agora vai ser melhor ainda, se puder te beijar. Música em dobro.''
Puxei ele pelo casaco preto que usava, e nem pensei duas vezes. Beijei-o.
Pude escutar a música em dobro também. E foi uma sensação de estar num show.
Uma sensação que eu não queria que acabasse. Nem se a música terminasse.
E ficamos alí, nos beijando até a música acabar. E quando acabou..
-''Pode repetir?''
Olhei para ele e pisquei o olho.
-''Não. Mas pode me beijar sem uma desculpa agora.''
Ele gargalhou. Mas não fez outra coisa, além de me beijar.
Assim sucedeu a minha viagem de trem. A primeira que fiz, e pode ter certeza, foi a melhor coisa que já me aconteceu.
Misftis, trens, e um rockeiro grosseiro ao meu lado, o que mais posso querer?








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