quarta-feira, 6 de abril de 2011

A boina e o salto.




O salto havia quebrado no meio da rua. Ela não estava acreditando.
Era o sapato favorito dela. O melhor, o mais caro.
Sentou-se no banco mais perto, e tentava consertar de alguma maneira.
Como ela iria encontrar com ele desse jeito? Um pé acima de 6 cm e o outro abaixo.
Mancando como uma doente? Jamais falaria com ele desta maneira.
Precisava comprar um urgente. Nem que fosse um chinelo. Um chinelo meigo.
E com um laço pelo menos.
Foi até uma loja de sapatos que estava perto. Uma loja 'tem de tudo' na verdade.
Achou um que nem era tão feio. Foi até o balcão para pagar.
-''Vou levar este aqui.''
O vendedor estava de costas para ela. Usava uma boina cinza. Ela tinha analisado isso.
Ele virou. Ela se surpreendeu com os olhos dele. Continuou séria.
Ele mastigava uma goma.
-''É 20.''
Ela olhava pra boca dele.
-''É.. Tá aqui.''
Ele pegou o dinheiro, e cuspiu a goma no lixo perto dele.
Sorriu para ela.
-''Aqui seu troco.''
Ela guardava o dinheiro na bolsa. Quando o celular tocou.
-''Alô?''
No outro lado da linha, o cara que ela tinha tanto medo de fazer feio.
-''Como assim? Você não vai? Mas.. A gente já havia combinado isso a dias...''
O vendedor sentou-se em sua cadeira, e lia uma história em quadrinhos. Na verdade fingia ler. Olhava para ela desesperada ao telefone. Olhava por cima da revista.
-''Ah tudo bem.. Eu já ia ter que desmarcar também.. Estou saindo agora com as meninas, vou à uma boate... Ok, a gente se fala.''
Ela deu um grito na loja. Sorte, só havia ela e o vendedor.
-''Tudo bem seu cretino, eu nem queria mesmo me encontrar com você.''
Olhou para o vendedor, colocou a sandália sob o balcão.
-''Quero meu dinheiro de volta.''
Ele olhou para ela.
-''Sinto muito, não pode devolver a mercadoria.''
Ela estava com ódio. Estava vermelha.
-''Mas como não? Eu nem a usei! Não quero esta porcaria. Nem de couro legítimo é. Exijo meu dinheiro de volta.''
Ele muito calmo, apontou para uma plaquinha que estava atrás dela.
Estava escrito: ''Não aceitamos nenhum tipo de devolução.''
Ela abriu a boca, estava quase gritando novamente, quando ele levantou da cadeira, apoiou os dois cotovelos sob o balcão e disse:
-''Antes que comece a gritar como uma porca novamente, acho melhor calar-se e sair da loja, antes que eu chame a polícia.. Não vai querer ir tão cedo pro manicômio não é? É muito bonita pra isso.''
Ela apoiou os cotovelos sob o balcão também
-''Como ousa me chamar de porca? Olha pra você. Aí do outro lado desse balcão, com essa boina de 5ª categoria, e lendo uma revista em quadrinhos... De...''
Ela tentou olhar a revista, para saber sobre o que ele lia, e assim usar contra o mesmo.
Mas ele foi mais rápido e colocou em cima do balcão para ela não se esforçar para tentar ler.
-''O massacre em Silent Hill? Pelo amor de Deus! Eca.''
Ele riu.
-''E desde quando patricinhas sabem o que é revistas em quadrinhos?''
Ela levantou uma das sobrancelhas.
-''Eu pelo menos, sei. Leio desde criança seu grosso. Essa aí, é muito mal escrita, e os desenhos são uma droga.''
Ele gargalhou. Fechou a revista.
-''Ah claro! Sei... Por favor porquinha.. Ops! Senhorita, preciso trabalhar.''
Ela falou alto dessa vez.
-''Como é que é? Aí já é demais meu querido! Pode saindo, vamos até a delegacia.''
E foi até o outro lado do balcão, o puxava pelo braço. Ele nem se mexeu.
-''Delegacia? Por falar a verdade? Não sei se isso é crime. Você que devia estar no manicômio. Me solta!''
Ela parou. Estava na frente dele.
-''Levante-se agora! Não pode chamar uma lady de porca. Seu grosso. Você é um grosso.''
Ele riu. E levantou.
-''Tá, vamos até a delegacia.''
Ela sorrio. E bateu palmas.
-''Ah vamos! Você tem que estar preso.''
Ele pegou o casaco dele.
-''É, precisam saber que tem uma porca andando por aí, querendo devolver mercadorias por nada.. Gritando no ouvido dos cidadãos trabalhadores.. Isso é um perigo para a humanidade..''
Ela expressava ódio novamente, e o pegou pelo braço.
-''Isto eu não vou tolerar! Seu... Seu.. Como ousa?''
Ele só gargalhava.
-''Pode por favor me deixar trabalhar agora?''
Ela sentou na cadeira dele e com uma expressão de mandona disse:
-''Não.''
Ele olhou para ela, e fez um sinal para ela levantar.
Ela continuou sentada. Ele arregalou os olhos.
-''Não vou levantar. Nem adianta.''
-''Você quer um beijo para levantar?''
Ela levantou imediatamente.
-''Pelo amor de Deus, nunca! Já disse que sou uma lady. Você é nojento, e essa sua boina te deixa patético.''
Ele ajeitou a boina na cabeça.
-''Acho que está apaixonada pela minha boina. Não quer que eu lhe dê?''
Ela suspirou com ar de indgnação. E foi para o outro lado do balcão.
-''Acho que já está na minha hora, já joguei conversa fora demais com um cara como você.''
Ele foi até ela, e segurou sua cintura.
Ela tentou tirar a mão dele.
-''Um cara como eu? Tipo.. Um cara que te deixa sem ação? Ou um cara pobretão que lê quadrinhos como você?''
Ela ficou sem palavras.
-''O pobretão aqui mexeu com você?''
Ela olhou para ele.
-''E por que mexeria? Odeio boinas só isso.''
Ele gargalhou. A mão ainda estava lá. Ele tirou a boina, e colocou na cabeça dela.
-''Olha só, agora você está com cara de lavadeira. Ficou linda.''
Ele ria. Até demais.
Ela tirou a boina imediatamente, pegou a bolsa. E estava saindo, mas ele não deixou.
-''Aonde você acha que vai? Ainda mais com minha boina em mãos.''
-''Vou à delegacia. Acha que me esqueci dos insultos? E agora atentado ao pudor!''
Ele estava com um sorriso pregado no rosto.
-''Espere, antes de ir acho que precisa de mais uma queixa sobre mim.. Vai que essas aí são poucas?''
Ela virou com uma feição de desprezo.
Ele a puxou pelo braço e a beijou. Ela tentou sair, mas ela queria.
O casaco caiu no chão, a bolsa também. O celular tocava, e eles estavam derrubando as mercadorias.
O beijo durou minutos, e estavam quase tirando a roupa um do outro. Quando alguém entrou na loja.
Os dois pararam, ela descabelada, ele sem jeito. Olharam para a porta.
Era uma mulher, com uma criança.
Ela olhou para os dois, tampou os olhos da criança e saiu da loja.
Ela olhou para ele, e riu. Os dois riam.
Ele pegou a boina e colocou nela. Ela puxou ele para trás do balcão.
Eles caíram no chão. Em meio à tantos beijos ele disse no ouvido dela.
-''Desculpe por te chamar de porca. Você está mais para leoa.''
Ela gargalhou e disse:
-''Cala a boca, antes que eu me arrependa de estar atrás de um balcão com um vendedor de olhos azuis.''
Eles ficaram alí. Não preciso dizer que roupas rolaram certo?
E depois? Depois, é depois.
A menina de salto, e o cara de boina.
Nada. Ou talvez tudo. As diferenças se completam.
As diferenças são como as moléculas de carbono.
Queimam.

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